A lua alta refletia no espelho do Lago Paranoá quando os primeiros acordes abriram o céu de Brasília. Começava ali mais uma sequência de descobertas musicais que dariam o tom da primeira edição do Porão do Rock. Na concha acústica, tudo vibrava — luzes, ideias, vozes, estilos e públicos tão diferentes quanto as bandas que se preparavam para subir ao palco.

A Big Groove foi quem deu início à noite. Com uma trajetória que incluía destaque no Skol Rock de 1998, a banda apresentou um pop de trilha envolvente, daqueles que parece já nascer familiar. Em meio ao setlist, uma versão de Fernanda Abreu acenava para o público com um charme inesperado.
Veio então a Mata Hari, e a atmosfera mudou. Um som denso, melancólico e preciso preencheu o espaço, envolvido pela afinação impecável da banda e pela voz da vocalista que parecia narrar um filme com cada verso. Entre os momentos marcantes, a cover do B-52 trouxe leveza e surpresa, como se o palco ganhasse um sopro de cor e humor.

Ponto G levou ao palco uma mistura irreverente. Rap com rock, atitude de rua com energia de palco. Dois vocalistas em sintonia sobre uma base que lembrava Planet Hemp, mas com um quê próprio. Era barulho bom, daqueles que fazem a cabeça balançar mesmo sem entender direito o porquê.
Rodeo Drive chegou com uma combinação improvável: rock and roll com pitadas country. De repente, a concha acústica ganhou ares de faroeste. Eles passaram por Bob Dylan e transformaram “Hey Joe”, de Hendrix, numa viagem sonora que lembrava Willie Nelson. Um passeio inusitado, mas feito com entrega e bom humor.
A James Band trouxe uma presença curiosa. Com um vocalista que arrancava comparações com personagens de TV, a banda fez uma leitura intensa de Police, evocando Sting com energia e personalidade.

Plástika trouxe seu pop bem trabalhado, daqueles com cara de rádio. Era o tipo de som que já tinha corpo, com refrões pegajosos e arranjos que funcionavam. No palco, testavam caminhos. A cover de “Pais e Filhos” aparecia como aceno para o grande público.
Cachorro Cego subiu com força. Foi a primeira banda da noite a arrancar coro do público, e não por acaso. Quando entoaram “Mary Juana Blues”, as vozes da plateia se uniram como se a música já fizesse parte da memória coletiva. Com um blues carregado de rock, a banda mostrou presença e carisma, garantindo um dos momentos mais pulsantes da noite.
Zamaster veio com sua linguagem própria. Ainda misteriosa em alguns trechos, já deixava entrever possibilidades sonoras que intrigavam e abriam espaço para novas leituras.
Maskavo Roots, já com três álbuns no repertório, entregou um show curto e coeso. Em clima de celebração, costuraram músicas conhecidas do público e finalizaram com uma versão vibrante de “Diversão”, dos Titãs. Não por acaso, estavam prestes a assinar com a Sony. Tudo parecia fazer sentido naquele momento.

Auravil, Nulimit e BSB Disco Club levaram o público para uma pista imaginária. Em sequência, desfilaram clássicos da disco music em versões nostálgicas. Havia entusiasmo, coreografias e o inesperado — como os gritos animados do vocalista da Auravil e uma queda de palco da vocalista da BSB Disco Club que arrancou aplausos solidários e sorrisos cúmplices. Tudo isso somava ao clima de liberdade que tomava conta do lugar.
A banda !Pravda apostou em um set autoral com repertório de seu álbum lançado pela Banguela Records. Mesmo enfrentando desafios técnicos com a estreia de um DJ no palco, o grupo mostrou identidade e presença.
Fechando a noite, Engels Espíritos Band. Com um rock temperado de blues, a banda entregou o que muitos consideraram uma das melhores apresentações do festival. Com presença de palco marcante e entrosamento afiado, encerraram a noite com a energia de quem sabe que fez história.
Quando os últimos acordes silenciaram e as luzes começaram a apagar, havia ainda muita gente ali, parada, como se quisesse guardar um pouco mais daquela atmosfera. Era mais que uma sequência de shows. Era a confirmação de que algo novo havia acontecido em Brasília.
