Os Cabeloduro e o Porão do Rock
Assumir ser eclético quando falamos de música, pode ser um assunto controverso já que tanto pode ser um aspecto ruim quando um aspecto bom. É ruim quando quem assume ser eclético é aquele tipo de pessoa que não se liga muito em música e tanto faz pra ela escutar um sucesso do momento quanto uma banda de rock progressivo ou até mesmo alguma banda de word music. É bom quando quem assume ser eclético é aquele tipo de pessoa conhece mais a fundo assuntos relacionados a música (histórias, influências, curiosidades), e – principalmente -, sabe diferenciar dentro de estilos distintos o que é bom ou ruim seja no blues, no rockabilly ou em qualquer outro gênero. Se encaixam no segundo caso as pessoas que não são fãs de hardcore e punk rock, mas que reconhecem o talento de bandas como Os Cabeloduro.
Seminal banda de hardcore e punk rock da cidade Os Cabeloduro eram conhecidos por shows catárticos e anárquicos, sempre com “casa cheia” as vezes o número de pessoas no palco era igual ao número de pessoas na platéia. E quem não se lembra da figura peculiar da cidade Ector “O Homem Palco”, presença garantida nos shows da banda. Nenhuma pesquisa comprova, mas dificilmente em outros lugares existiu alguém que oferecesse suas costas para qualquer um fazer stage dive. Entre os muitos feitos da banda está a “volta” que eles deram na banda de krishna-core Shelter (Alguém se lembra de Here We Go Again o único hit da banda?) quando abriram o show deles em Brasília, a banda com suas várias músicas conhecidas colocou os americanos no bolso. Até mesmo show de abertura para a banda Pato Fu, o pessoal d´Os Cabeloduro possuem em seu currículo.
Fato raro para poucas bandas da cidade é que boa parte das músicas eternizadas no disco de estréia já eram em sua maioria conhecidas dos fãs por conta de uma demo tape da banda, que foi bem divulgada e fez historia nos idos nos anos 90.
Antes mesmo do álbum de estréia, em meados de 1994, a banda participou da coletânea “Um chute na oreia – Brazilian HC/Punk” (Fast n´ Loud Records) ao lado de outras 16 bandas brasileiras, entre elas, também de Brasília, o DFC. Em 1995, uma outra coletânea lançada em Portugal “Vozes da Raiva II” (que teve na capa o nome da banda grifado errado Os Cabelo Duro), fato corriqueiro para bandas do mesmo estilo musical (Ratos de Porão é um bom exemplo), era tentar o trilhar o caminho na Europa, nos Países Baixos e até mesmo no Oriente.
O álbum de estréia da banda “Com todo amor e carinho” lançado em 1996, pelos extintos selos RVC Music / Berlin Records (responsáveis também pelo disco de estréia da Oz “Sangre de Dios”) ao lado de “Tchan Nan Nan Nan Nan” (Gravadora Eldorado/ Fast n´ Loud Records) do DFC, lançado em 1994, coroaram seus gêneros na Capital e juntos simbolizara um dos períodos mais férteis para ambas as bandas.
Além das apresentações sempre viscerais o que mais chamava atenção na banda era a tendência de composições de refrões curtos, mas perfeitamente feitos para se cantar em coro Jump (“Se você ta pensando em mudar alguma coisa/não fique aí parado esperando acontecer/faça a coisa certa não cometa o mesmo erro/comece a mudar, mas comece por você”), Ódio Sem Razão (que começa com um dedilhado de guitarra pra cair descambar em um hardcore pesado e com groove), Cala a Boca Animal, Enfia no Cu (letra monetária “Não quero seu dinheiro/não preciso dele/dobre e amasse e enfia no seu cu”), Punk Rock Song (uma espécie de hino para os punks (!) locais), Mãozinha (baseado em fatos reais sobre um tal de Mãozinha maníaco sexual que atuava no Guará cidade satélite do DF), são uma pequena amostra disso e junto com clássicos como Pinga Com Limão (música que tem que constar em qualquer lista dos hits da música brasiliense), Foda-se (letra atualíssima bastando apenas trocar os nomes dos homenageados para cantar “Foda-se tudo se você quer saber!”), A Barca (Eles não querem nem saber/culpado ou inocente/você vai se fuder), Cosme Damião de Corpos, Na Mesma Moeda (a cozinha da banda dando o tom e o recado), Canção de Amor (começa com um teclado romântico se transforma em um HC de letra singela “Pega no meu pau/chupa ate o saco/vou comer o seu buraco/vou fazer você gritar/fique bem de quatro/vamos brincar de cavalinho/vou comer seu cuzinho/até minha pica estourar”, depois vira um reggae com direito a citação de música de Gilberto Gil (sic!), para terminar rápida e rasteira no refrão).
Todas as músicas citadas eram garantiam de moshs e rodas de pogo cheias do Plano Piloto até as cidades satélites passando pelas cidades do entorno era raro encontrar fãs do estilo que não conhecessem pelo menos uma música da banda, que a cada vez mais se tornava popular.
O ano era 1997, e não corria noticias sobre um novo lançamento da banda, minimamente para conter o anseio dos fãs a banda participou da coletânea Cult 22, com uma música Foda-se gravada ao vivo. Apenas em 1998, Os Cabeloduro lançariam, pelo selo carioca Tamborete Entertainment seu segundo disco “# 1”, na verdade um EP com 6 músicas, sendo que uma versão ao vivo de Jump e 5 inéditas, mas curiosamente esse EP também é achado em uma versão com 10 músicas (Pinga com Limão, Políticos Fascistas, Cosme Damião de Corpos e um Bônus Track) de toda forma a banda já não demonstrava a mesma verve de outros tempos. Vale lembra que rola na Internet um disco ao vivo da banda não-oficial.
Nos anos seguintes Os Cabeloduro se limitam a participar de algumas compilações, em 2000 diante da primeira apresentação no Festival Porão do Rock, integram um disco promocional do próprio Festival, também em 2000 participam da coletânea “Cerrado All Stars” (Silvia Music), que reuniu a nata do hardcore da cidade. Em 2002 Podrinho saí da banda - passando a se dedicar ao Satan´s Pray e ao Macakongs 2099 - quem tem uma passagem relâmpago pela banda é Telo. Depois de um longo tempo, em 2003, participam do “Tributo aos Garotos Podres – 20 anos de podridão” (Rotten Records), a novidade foi o baixista Gazu assumindo os vocais. Depois desse período, a banda ganha mais um guitarrista Renê e um novo vocalista Marcelo “Salsicha” Vourakis ex-vocalista do Maskavo Roots (!), mas que tinha um passado pesado, pois, integrou as bandas DFTA e Tsunami, com essa nova formação (e já sem o guitarrista Renê que nem chegou a gravar com eles), lançaram em 2004 o desnecessário “Tudo que a gente tem” (Minimax/Unimar), com isso também mudam de nome e passam a se chamar apenas Cabeloduro.
Em sua terceira participação do Festival Porão do Rock (em 2000 se apresentaram com essa mesma formação, em 2004 já estavam com Marcelo Vourakis nos vocais) a banda novamente com a sua formação definitiva, com Beto Podrinho (vocais), Ralph (Guitarra), Helio Gazu (Baixo) e Daniel (bateria), apresentou basicamente clássicos do disco “Com todo amor e carinho”, se apresentando na mesma hora que a oitentista Plebe Rude tocava no palco principal a banda não teve um bom público na hora do seu show, que também foi curto, 30 minutos apenas, pouco tempo até mesmo para uma banda com repertorio de músicas rápidas, mas o público gostou, rodas de polgo se abriram, refrões foram cantados a plenos pulmões e quem só conhecia a banda de nome pode conferir um pouco do potencial de uma das mais queridas bandas de Brasília.
Talvez 30 minutos de apresentação sejam muito para essa resenha, mas injustiça mesmo seria deixar de falar sobre a banda porque mais importante do que, especificamente, esse show é o registro e a consideração de terem convidado a banda para se apresentar em um dia tão especial para música da cidade, fica também o saudosismo ao ver a apresentação d´Os Cabeloduro aquela banda “das antigas” que garantiu por tanto anos nossa diversão.